A despeito da prática milenar, a prostituição é formalmente reprovada em quase todas as sociedades, sob o pretexto da “suposta degradação” que representa para as pessoas que a praticam. Quando falo em “suposta degradação” pretendo chamar a atenção para a relatividade das coisas, pois se essa prática social fosse realmente considerada degradante e pejorativa pelo conjunto predominante da sociedade não teria se perpetuado e se fortalecido ao longo de todas as fases da história da humanidade. Ou seja, pra variar, existe muita hipocrisia envolvida na discussão desse tema, assim como em outros temas como pena de morte, eutanásia, aborto e etc.
A definição de prostituição baseia-se em valores culturais que diferem em sociedades e circunstâncias, mas pode ser entendida como atividade que consiste em oferecer satisfação sexual a outro, de forma habitual, em troca de alguma forma de remuneração ou vantagem. Sendo assim, a partir da definição, percebe-se que não é a remuneração em dinheiro que define a prostituta, mas a compensação (que pode ser em dinheiro) ou a vantagem (que pode ser a aquisição ou manutenção de algum status) pelo serviço prestado com alguma regularidade.
Mas, na verdade, não pretendo deixar mais ou menos polêmico esse tema, que é naturalmente palpitante para os admiradores dos embates da sociologia. Meu propósito com essa postagem é abordar a prostituição sob o aspecto da Saúde Pública, a partir do meu olhar de microbiologista interessado pelo campo da História da Ciência. Não temos mais como fechar os olhos para a questão! Sendo assim, a minha preocupação permeia o risco biológico da prática, não importando se é prostituição feminina heterossexual, masculina heterossexual ou homossexual. O risco é enorme e fechar os olhos para isso é pleno século XXI é tão absurdo quanto considerar a prostituição uma prática socialmente degradante. Na verdade, mais uma vez, é a hipocrisia da sociedade que não permite admitir a força dessa atividade e, consequentemente, não admite o risco biológico.
Passeando um pouco pelos registros da história da humanidade, é possível constatar que a prestação desse serviço está relacionada à figura da mulher. Até meados do século XVIII, quando o desenvolvimento científico era bastante incipiente, essa prática foi responsável pela proliferação de uma série de doenças infecciosas de transmissão a partir dos fluidos sexuais como a sífilis, gonorréia, linfogranuloma, papiloma vírus humano, hepatite, etc. Não se conhecendo ainda a capacidade latente de infecções em alguns organismos, mulheres prostitutas aparentemente saudáveis portavam em suas entranhas germes altamente virulentos, como Treponema pallidum (agente etiológico da sífilis), que levavam os homens literalmente à loucura, pois a loucura é a fase tardia da doença sífilis não tratada. E não havia como tratar, uma vez que ainda não existia a penicilina.
A partir da segunda metade do século XX a prostituição ganhou ares de modernidade, em função do próprio liberalismo social e hoje temos outras modalidades em oferta, embora ainda relativamente tímidas, como a prostituição masculina heterossexual e a prostituição homossexual. O cardápio dos riscos biológicos foi incrementado em meados de 1986 com o surgimento ou descoberta do vírus da AIDS.
Claro que o cenário agora é outro: medicina altamente desenvolvida, pesquisas microbiológicas utilizando tecnologia de biologia molecular, indústria farmacêutica produzindo antibióticos e quimioterápicos de alta eficiência e eficácia. Então, não é admissível a manutenção do comportamento social de até um século atrás, quando as pessoas adoeciam para depois buscar o tratamento e da cura. Atualmente estamos falando em práticas preventivas, autocuidado e promoção da saúde. E esse discurso não combina com a falta de olhar de governo para a prestação de serviços sexuais de forma clandestina. Acho que para a promoção da saúde pública a tarefa está dada: ou acabamos com a prostituição ou reconhecemos que se trata de uma prestação de serviço importante que precisa de um olhar diferenciado. O olhar diferenciado a que me refiro compreende campanhas publicitárias de origem no governo para desfazer o mito da prostituição como atividade degradante e a formalização da prática como atividade profissional com controle médico rigoroso. Dessa forma essas pessoas teriam os direitos sociais de qualquer profissão regulamentada e ofereceriam ao vasto mercado consumidor um serviço com a garantia sanitária do governo.
Por fim, acho que essa providência traria enorme economia dos gastos públicos com pessoas que se contaminam e precisam ser tratadas às vezes para o resto da vida, com medicamento e procedimentos caros, como é o caso da AIDS, às custas do Sistema Único de Saúde (SUS). Se a prostituição fosse atividade regulamentada no nosso país, como já é em alguns países a exemplo da Alemanha, Holanda e Inglaterra, a clientela estaria protegida do risco biológico inerente ao consumo desse serviço, pois imagino que existiria o controle sanitário sobre o serviço prestado.