Genericamente, os dicionários definem razão como sendo o conjunto das faculdades anímicas que permitem distinguir o homem dos outros animais. Aprofundando um pouco mais a conceituação, seria a capacidade de compreender as relações entre as coisas e de distinguir o verdadeiro do falso, o certo do errado, o bem do mal. Razão é raciocínio, pensamento, opinião, julgamento, juízo. E a espécie humana se enche de vaidade por ser a detentora desse digamos "atributo exclusivo", uma vez que abomina o fato de a ciência atribuir-lhe cada vez menos importância relativa, quando comparada ao conjunto de seres vivos necessários para o adequado funcionamento da máquina biológica que rege a natureza.
Nesse contexto de auto intitulação de - a espécie mais importante - está embutida uma nefasta compreensão de que tudo na natureza só existe para a satisfação humana e, consequentemente, tudo é passível de destruição. O homem pode destruir florestas, matar rios, extinguir espécies, maltratar outros animais. O ser superior pode fazer tudo porque ele foi criado à imagem e semelhança de Deus. Ninguém disse isso a ele, mas é isso que o homem acha! Quem não se lembra de reportagens veiculadas em rede nacional em que animais foram espancados até a morte pelos "seus donos" ou amarrados a pára-choque de carro e arrastados pelas ruas?!
Entrando efetivamente no tema da postagem, é necessário esclarecer que o termo cobaia, atualmente, é utilizado de forma ampla para designar qualquer situação em que um indivíduo - animal, vegetal ou micróbio - é submetido a teste de qualquer natureza para qualquer finalidade. Entretanto, no sentido estrito, cobaia é nome vulgar atribuído a várias espécies do gênero Cavia, também conhecidas como porquinho-da-índia, conforme taxonomia apresentada abaixo:
- Reino Animalia (Metazoa).
- Filo Chordata.
- Classe Mammalia.
- Ordem Rodentia.
- Família Caviidae.
- Gênero Cavia.
- Espécies (C. anolaimae, C. apere, C. fulgida, C. guianae, C. intermedia, C. magna, C. nana, C. tschudii, C. porcellus, etc).
Apesar da denominação porquinho-da-índia, não se trata de suíno e nem tampouco da origem indiana e sim de um roedor sul-americano, utilizado em experimentos laboratoriais desde o século XIX, principalmente a espécie C. porcellus. O nome faz referência às originárias "Indias Ocidentais" que atualmente corresponde ao continente americano e esse animal era amplamente utilizado na alimentação de povos andinos, sendo atualmente prato típico bastante apreciado na culinária Peruana. Seu grande valor para os laboratórios biológicos deve-se à grande variedade de experimentos nos quais podem ser utilizadas. Sua pele é muito semelhante à pele humana, possibilitando maior fidedignidade nos testes envolvendo cremes e loções e outros parâmetros fisiológicos como valores sanguíneos, contagem celular e constantes físicas também são adequados para fazer extrapolações em relação ao organismo humano, o que possibilita ampla utilização em pesquisas bacteriológicas, sorológicas, imunológicas e nutricionais.
Foi em 2010, na publicação intitulada "Vida de Cobaia", que tratamos desse assunto de forma geral. Na oportunidade afirmei que, aceitemos ou não, somos todos cobaias. Desde o momento da concepção, quando ainda em nível celular somos fixados no tecido uterino (nidação) e somos submetidos a toda a sorte de pressões e essa condição se mantém dentro da família, extrapolando para a vida escolar, vida social e trabalho.
O objetivo da postagem atual é instigar e produzir inquietação no leitor em relação ao conceito de liberdade na perspectiva do livre arbítrio e o quanto essa liberdade está comprometida com a condição de cobaia naturalmente atribuída à todas as espécies vivas, não importando o atributo qualificador de espécie superior ou espécie inferior.
Evidente que não há como falar em liberdade de escolha (livre arbítrio) quando nos referimos aos seres inferiores (animais irracionais, vegetais, micróbios) uma vez que esses indivíduos são impelidos pelas forças da natureza, não têm capacidade de escolha e sempre serão objetos da vontade humana. Recentemente foi veiculada em diversas mídias nacionais a invasão que manifestantes, ditos ativistas dos direitos animais, realizaram a um laboratório em São Paulo que realiza testes com medicamentos para verificar efeitos adversos. Os manifestantes libertaram cães que eram utilizados como sujeitos de pesquisas sob a alegação de que sofrem maus tratos e são sacrificados para estudos dos órgãos alvos das drogas experimentadas.
O que pretendo abordar é o livre arbítrio na perspectiva do ser humanos enquanto organismo dotado de razão e considerando a terra como um grande laboratório natural. Quero dizer que qualquer decisão racional humana sempre será testada na natureza, seja no âmbito individual ou coletivo, e trará alguma consequência. Sobre o episódio relatado acima, será que a decisão do grupo de ativistas foi a melhor decisão racional? Como seria se acabássemos com todos os testes laboratoriais que envolvem animais irracionais como sujeitos? Como seria se acabássemos com todos os testes laboratoriais em que o próprio ser humano é sujeito? O que não podemos permitir é que os sujeitos de pesquisa seja definidos e utilizados sem critérios e sem submissão a protocolos éticos. A sociedade tem que estar atenta e cobrar o funcionamento dos Comitês de Ética em Pesquisa e das Comissões de Biossegurança pois são essas instâncias que garantirão a realização de pesquisas científicas éticas. É a ética e a segurança que devem nortear qualquer pesquisa envolvendo seres vivos sejam eles não humanos e humanos. Qualquer coisa além disso não passa de sensacionalismo e pirotecnia.
Para encerrar essa matéria relembro uma história que aconteceu comigo lá pelos anos 1990 quando eu era empregado do Hospital das Clínicas Dr. Augusto Leite, conhecido como Hospital de Cirurgia, participava ativamente dos movimentos sindicais e era líder dos trabalhadores daquela unidade de saúde. Na ocasião e com o efetivo apoio da Central Única dos Trabalhadores - CUT conseguimos mobilizar os trabalhadores e deflagrar a primeira e única greve do Hospital de Cirurgia. Certo dia, durante a negociação com a Federação dos Hospitais, ouvi de um diretor da classe patronal uma frase que ficou registrada e é conveniente registrá-la agora. Ele disse: " Meu filho, você é jovem, tem todo um futuro pela frente... Não se permita ser boi de piranha!".